segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A Arte de Sonhar


Qual mistério envolve a atividade artística quando o ser humano decide elevar-se sobre a mediocridade plana da vida rotineira para alçar-se em vôos cujas obras eternizam-se no plano físico transcendendo seus curtos anos de vida na Terra?

Por que arte e cultura são tão celebradas?

As crianças trazem consigo uma vocação natural para a arte que se vai apagando à medida que crescem e vão sendo influenciadas e sufocadas por este mundo cheio de idéias praticas permeadas pelas ânsias da produção, do trabalho, do lucro e da exploração.

Com o tempo, o pequeno artista transforma-se num homem amargo, previsível e frustrado, numa jornada tão bem ilustrada pelo mito de Sisífo, resumida num trabalho rotineiro, inútil e sem esperança.

Mas o espírito imanência de Deus no homem vinga-se da alma adulta nas noites eternas transformando o seu sono em espetáculos inesperados onde o pequeno artista renasce como autor e como ator, cumprindo o seu destino naquele palco metafísico chamado sonho.

A criança eterna de Caieiro está ali a apontar a direção de um grande destino do qual aquele ser infeliz se desviou: ser um criador de si mesmo, escultor da própria imagem, pintor do próprio destino e escritor de sua história.

A matéria inextricável e confusa de pensamentos desconexos que durante o dia se atropelavam naquela mente desorganizada, à noite integram-se em personagens assustadores que se enredam em pesadelos terríveis ou compõem idílicas e eufônicas passagens que perduram na recordação como reminiscências inefáveis.

Durante o sonho, a criança vem cobrar o seu destino e reafirmar que existe e que gostaria de estar presente na vigília, este outro sonho misterioso e inescrutável.

Diz-nos Borges em A Rosa Profunda (O Sonho, 93) que dessa região imersa resgato restos que não consigo compreender: ervas de singela botânica, animais um pouco diferentes, diálogos com os mortos, rostos que na verdade são máscaras, palavras de linguagem muito antigas e às vezes um horror incomparável ao que nos pode conceder o dia.

Quantas vezes assustados emergimos de um pesadelo sufocante e nos dizemos aliviados: Era apenas um sonho! E quantas outras, em meio à vigília exasperante, perguntamo-nos se o que está nos acontecendo não seria um pesadelo.

O pensador e humanista Gozález Pecotche escreveu no livro O Espírito: Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras preposições. Muitos pretenderam decifrá-los, dar-lhes um significado particular, muitos também teceram em torno deles fantásticas conjeturas, mas ninguém jamais expressou que é o espírito quem os provoca, em seu constante esforço por se fazer presente em nossa vida diária.

A arte faz parte da vida do ser humano e é tão antiga quanto a civilização. A pictografia ancestral, como o pendor infantil para a comunicação através da arte, é a prova cabal de que o homem é diferente dos animais. O homem primitivo, além de caçar, comer, dormir e se reproduzir tinha a necessidade de se comunicar através da arte. Pode-se dizer que a comunicação é uma necessidade humana e que arte é algo mais que mero conjunto de regras ou habilidades para se fazer algo.

É interessante observar como pintar, esculpir ou produzir um texto literário é um processo lento. O artista não pode ser impaciente e nem preguiçoso. Deus é paciência, diz a personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas.

Quando vemos um quadro e os esboços feitos previamente pelo artista constatamos, muitas vezes, que a obra final pouco tem a ver com o esboço inicial; que no exercício da criação houve uma alteração dos rumos iniciais.

A arte tem a ver com habilidades mentais e sensíveis que podem ser usadas para o bem ou para o mal, como os conhecimentos. Uma reflexão mais profunda sobre a beleza e a verdade nos levam à conclusão que ambas devam caminhar juntas no processo de criação, que não podem ser excludentes.

Uma forma de arte revolucionária e pouco conhecida é a que vem sendo estudada e aplicada em centros avançados de estudos espalhados pelo mundo verdadeiras escolas de adiantamento mental e que consiste na criação do próprio artista, certamente a mais difícil de todas as artes: a arte de criar a si mesmo. É uma arte na qual o artista, o ser humano, cria a si mesmo deixando de ser o que é para chegar a ser algo melhor, maior, aperfeiçoado.

É uma arte difícil por tratar-se de uma recriação pessoal. É uma obra para toda a vida onde o artista é instruído no sentido de reconhecer em si todos os seus defeitos e imperfeições e, inspirado no propósito de evoluir, poderá esculpir um novo ser humano tornando-se artífice de si mesmo.

O cultivo dessa arte exige esforço, constância e observação. O artista deverá ser instruído, educado; e uma das primeiras lições consiste no aprendizado do querer ser melhor, aprender e evoluir.

Inspirado na obra maior que é a própria Criação, o ser humano poderá transformar-se no autor e ator de seus próprios dias, dono de seu destino e artífice do futuro, dando um salto mortal por sobre tudo o que tem estreitado sua visão e endurecido o seu coração.

Esta é uma arte com a qual podemos sonhar e realizar.

Reflexão:

Em matéria de amor, importante que as primeiras impressões venham das belezas morais; as produzidas pela beleza física dissipam-se muito depressa

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