quinta-feira, 26 de maio de 2011

Coração despido



Quando acordamos desse modo o nosso coração, descobrimos com surpresa que ele está vazio. Temos a impressão de olhar o espaço sideral. O que somos nós? Quem somos nós? Onde está nosso coração? Se olharmos com atenção, nada veremos de tangível ou sólido. Claro, é possível encontrar algo muito sólido, se tivermos rancor contra alguém ou se estivermos possessivamente apaixonados. Esse, porém, não é um coração desperto. Se procuramos o coração desperto, se colocamos a mão no peito para senti-lo, nada encontramos – a não ser ternura. Sentimo-nos doloridos e ternos, e se abrimos os olhos para o mundo, reconhecemos em nós uma profunda tristeza. Uma tristeza que não vem de termos sido maltratados. Não estamos tristes porque nos insultaram ou porque nos consideramos pobres. Não. Essa experiência de tristeza é incondicional. Ela se manifesta porque nosso coração está absolutamente exposto. Nenhuma pele ou tecido o recobre – é pura carne viva. Mesmo que nele pousasse apenas um mosquito, nós nos sentiríamos terrivelmente tocados. Nossa experiência é crua; nossa experiência é terna e absolutamente pessoal.

O autêntico coração da tristeza provém da sensação de que o nosso inexistente coração está repleto. Estaríamos prontos para derramar o sangue desse coração, prontos para oferecê-lo aos outros. Para um guerreiro, é a experiência do coração triste e terno que dá origem ao destemor, à coragem. Convencionalmente “ser destemido” significa não ter medo, significa revidar um murro, dar o troco. Aqui, entretanto, não estamos falando do destemor das brigas de rua. O verdadeiro destemor é produto da ternura e sobrevém quando deixamos o mundo roçar nosso coração, nosso belo e despido coração. Estamos dispostos a nos abrir, sem resistência ou timidez, e a encarar o mundo. Estamos dispostos a compartilhar nosso coração.

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